Conversando com alguns amigos, percebi que muita gente andava afastada da religião, algumas buscando novas formas de se conectar com o mundo espiritual e grande parte desiludida, sem uma prática da espiritualidade mas mantendo a fé em Deus.
Há 10 anos atrás eu passava por um dos períodos mais difíceis da minha vida: o da transição da religião para a espiritualidade.
Vindo de uma família católica, com a forte presença de Deus no coração e no vocabulário diário, fui batizado logo quando bebê, na basílica da Aparecida do Norte. Cresci com a fé na figura de Deus, ainda mais pela bondade de mãe, do carinho das minhas tias e tios (do lado materno) que sempre foram exemplos pra mim.
Catequizado aos 13 e com um caderninho que carregava os selinhos de cada missa de domingo que participava, era fiel à Deus e à Igreja. Estudávamos a Bíblia e as suas histórias, me debruçava na cama antes de dormir pra pedir à Deus o perdão, todos os dias.
Sabia que Jesus e Deus eram personagens diferentes (sim, tem gente que não sabe separar isso e acham que os dois são a mesma “pessoa”). No caso, eu era o pecador, que por mais que ninguém soubesse, carregava aquele sentimento de culpa sem fim por ser simplesmente quem eu sou. Era acompanhado por aquela sensação de que tudo que eu fazia, ele estava olhando – e me julgando – dos “céus”.
Já na adolescência, depois dos 15 anos, a coisa ficou mais complicada. Perdi a conta de quantas noites eu orava o Pai Nosso, pedindo perdão e misericórdia, aos prantos, com medo (e a quase certeza) de que iria para o inferno. Sabia disso pelos erros que cometia diariamente (impulsos naturais do meu ser ao olhar para as pernas dos meus amigos héteros na escola, quando cresciam os pêlos da puberdade, com um desejo que nem eu mesmo entendia o que significava).
Quando emagreci, me forcei a ficar com o maior número de garotas que podia. Não para provar à mim, mas também à sociedade, de que eu era macho. Principalmente à Deus (o que tudo olhava e julgava, constantemente). O que foi um grande erro.
Ia com a minha tia para as missas do Padre Marcelo. Que eram muito boas, por sinal. Músicas alegres e dançantes. Que energia! Que animação! Parecia que tinha encontrado o meu lugar.
Ao mesmo tempo, na escola, os estudos da química, física, história, geografia e biologia não batiam mais com o que eu tinha estudado na Bíblia. As matérias escolares passaram a ficar mais interessantes e foi justamente quando a minha tia faleceu (em 2007) que essa relação com a igreja se foi de uma vez por todas na minha vida.
Passei por momentos difíceis, de violência doméstica (física e emocional): o que foi bom, pois me forcei a ficar fora de casa a maior parte do tempo. Sair para a rua, seja para estudar em uma biblioteca pública ou grupos de estudo na universidade me tirou daquele mundo limitado de bairro, me dando a chance de conhecer pessoas de todos os cantos do País.
Me mudei para o centro de SP e descobri que existia um universo com pessoas iguais à mim, onde se encontravam nos bares e restaurantes e podiam ser eles mesmos, sem medo.
Fiz vários amigos da mesma “casta” e cheguei a encontrar garotos do meu bairro que também eram “refugiados” nos finais de semana, em segredo.
Na época (2007), uma amiga me falou de um mantra budista, que ficou na minha cabeça por dois anos. Até quando conheci o budismo de uma vez por todas através de outra pessoa, na porta de um bar com a galera do curso de técnicos ambientais do Senac.
Resumindo: hoje tenho o Deus no coração de uma forma muito mais forte e leve. Essa figura de um senhor de cabelos longos e barba branca, te olhando de cima das nuvens o tempo todo, não existe mais pra mim.
Compreendi que Deus é essa energia poderosa que rege todos os fenômenos do universo. Ele é a lei de causa e efeito, no qual todos estamos conectados, mas muitos a ignoram. A ciência prova a existência desta lei pela física quântica, o que fica mais “palpável” para o entendimento desta conexão espiritual.
No Budismo, a chamamos de Lei Mística (mística = perfeita) de causa e efeito. Não existe a figura externalizada de Deus, do “Pai”, de um homem que tudo olha e tudo julga o tempo todo. Até porque “ele” está em TODAS AS PESSOAS, animais e meio ambiente, e por isso devo respeitá-los, todos os dias.
Diferente do que vejo o tempo todo, de pessoas que se dizem cristãs e desrespeitam os outros, passam a perna, fazem jogos de poder, espalham fofocas, calúnias e ainda tem a cara de pau de escrever o nome de Deus em vão nas redes sociais, achando que irá diminuir a culpa na hora de receber o ticket VIP pro inferno.
Aquela história da hóstia: você vai pra igreja no domingo, ora, pede perdão, come a hóstia e volta pra casa preparado para começar outra semana de pecados. Como assim?
Hoje não peço mais, determino.
Não carrego mais a culpa, mas sim a responsabilidade.
Não existe misericórdia, mas sim o perdão.
Não sou perfeito, mas posso melhorar.
E tenho a certeza de que o inferno é aqui e agora (pelo nosso estado de vida), e somos nós que escolhemos onde queremos estar pelos atos diários do nosso cotidiano. Que sem dúvidas, a lei de causa e efeito não falha pra ninguém.
Atualização: hoje não me considero budista, nem cristão, mas universalista: pratico uma filosofia de vida que me garante resultados ao mesmo tempo que respeito outras religiões e estou aberto a receber o amor que cada uma prega, seguindo o princípio de causa e efeito do universo.
*Antes de me mudar do Brasil, tirei essa foto dos pingentes que ganhei nas missas onde fui com a minha tia no Brasil. Muito carinho e gratidão pelas coisas boas que aprendi e carrego em meu coração.